Declaração in-pessoal...

Era uma vez alguém
que ouviu o que eu disse a ele.
Resolveu contar a ninguém
pois daquilo que eu falava
por mais que alguém lesse e relesse
certamente ninguém entenderia.

Mas por mais que ninguém pudesse entender
tudo aquilo que eu dizia
somente alguém podia reconhecer
não importando se ninguém mais soubesse
o quanto eu era especial
como ninguém jamais seria.

E ainda que eu não entendesse
como alguém de alguma forma saberia
mesmo que tu, ele, ela, nós, vós
ninguém ou todos eles discordassem
a certeza ainda permaneceria.

Outros tempos, outros espaços
distâncias e silêncios tornariam.
Nos tantos caminhos eu pensava
que amor ou admiração não merecia.

De tudo alguém sabe de nada.
De nada alguém vê o que seria.
E ainda se eu lhe contasse
certeza alguém não perderia.

E se alguém eu percebesse
o que no silêncio dizia
talvez então compreendesse
que por mais longe e ausente eu vivesse
presente e perto alguém sempre estaria.

ŧ



...e nada mais, pessoal.

Esse foi o último post do blog.

O ano que passou foi algo diferente, em todos os sentidos e de formas totalmente inesperadas. Inesperado como tem sido a minha vida ao longo desses não-vem-ao-caso-quantos anos. Mas, enfim, foi um ano que me trouxe muito, ao mesmo tempo em que me deu absolutamente nada. Um ano que valeu uma década, e passou como um segundo apenas. Um segundo parado no espaço, que sem me mover mais do que a distância entre meus braços me fez tocar o mundo inteiro, sem sentir absolutamente nada, de fato. Um ano em que estive cercado por tanta gente, e não pude deixar de me sentir mais só do que nunca.

Penso e vejo tudo o que acontece ao meu redor, e cada vez mais percebo o quanto as coisas realmente importantes pra mim são muitas vezes tão diferentes daquilo que tanto importa para outros, em maioria. E, talvez, sim, seja eu o louco, por acreditar que possa estar de alguma forma certo naquilo em que acredito. Mas ainda prefiro as minhas certezas incertas a certas incertezas que vejo o tempo inteiro, todos os dias.

Encerro por aqui essa Jornada... E se algum desses passos puder ser – algum dia, de alguma forma – útil a alguém, sintam-se à vontade para compartilhá-los com seus companheiros de viagem. Se não, tudo bem. A lembrança do que passou serve apenas como guia para novos caminhos que - queiramos ou não - virão e nos farão mover, independente da nossa vontade, independente dos nossos planos ou (in)certezas.

Não desejo um feliz natal, ou mesmo um feliz próximo ano, porque mesmo a noção do que é felicidade é relativa ao que esperamos que aconteça... e o que quer que aconteça nunca será exatamente aquilo que esperamos, porque o que quer que possamos esperar estará sempre aquém daquilo que podemos realmente fazer acontecer, no momento em que deixamos de esperar.

Sendo assim, desejo apenas que cada um encontre aquilo que veio buscar, não importa de onde esteja vindo, nem se faz alguma idéia de para onde irá, ou mesmo do que acredita procurar. E, acima de tudo, que entendam que o final de cada jornada não traz mais do que cada passo já lhes trouxe... traz apenas mais um passo, o passo final – e, ao mesmo tempo, inicial.

Quanto a mim, sigo andarilho
rumo ao familiar desconhecido

não peço mais do que consigo merecer
não recebo mais do que possam me dar

não vou aonde não sou convidado
não fico onde não me sinto bem-vindo

não tenho medo de voar por não ter asas
e vôo mais alto do que podem as palavras

não digo nada que não possa ser entendido
mas nada digo, que não tenha mais
do que somente um sentido.

Fabricio “Åndarilho §amurai” Sortica

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Olhos nos olhos

Se queres de mim a morte,
diga, mas não para si mesmo.
Olhe nos meus olhos, e diga,
apenas uma vez.

Te quero, mas não a ti;
quero a parte de mim
que nunca esteve em ti
e que tomes a parte de ti
que não mais se encontra em mim.


Diga, mas não para si mesmo,
olhe nos meus olhos e diga,
mas esteja pronto, e ciente.

Mais forte não é quem
tem coragem para perguntar;
mas, sim, aquele que não teme
encarar sincera resposta, de frente.

E prontamente receberás,
mais do olhar que das palavras,
resposta justa a sentenciar,

Nunca sequer cogitei o abandono
nem mesmo pretendi à distância ficar;
Mas o exílio a mim impuseste
e só restou, mais uma vez, respeitar.

Se queres, de ti, para ti,
aquilo que a mim nunca pertenceu,
mas que por lealdade,
tua, a ti mesmo,
foi confidenciado,
nada tenho a protestar;
me sinto não menos que honrado.

Amanhã, ao acordares,
nada haverá, nem sentirás falta.
Memórias, vestígios, suspeitas.
Nem um sonho, ou sentimento,
nem mesmo rancor ou revolta.

Se um dia duvidaste,
de mim enquanto existência,
terás, agora, provado
mesmo sem teres consciência

nada tens até que reconheças,
que nada vem sem que decidas na vida;
nada foi, para que te arrependas,
e não existe escolha perdida.

Olhe nos meus olhos, e diga,
mas não para si mesmo,
e esteja pronto e ciente.

E uma vez que digas, ciente,
e estejas pronto a olhar, e encarar de frente,
perceberás que bastava a coragem
e a força para ouvir a sentença, até que finda.


E o que foi ausente nunca mais será
e o que foi presente, não permanecerá.
Nem em sonhos,
sequer em lenda.

Sabedoria da Inexistência

Acordo. Nem sei onde estou, muito menos o que está acontecendo. Abro a janela, mas não vejo nada. Aliás, não vejo nada há muito tempo. E, por sinal, nem sei mais quanto tempo é muito tempo.

Talvez nem seja. Ou talvez seja por isso.

Saio da cama, sem saber como abri a janela se nem tinha ainda me levantado. Me dou conta que isso não faz diferença. Janela sem vista é assim mesmo, não faz diferença se está fechada ou aberta. Não vejo mesmo nada.

Aliás, não vejo nada há muito tempo.

Penso em me dirigir à porta, mas... penso? Sim, acho que penso. Ou melhor, penso que acho, que penso. Dizem que o pensamento é mais rápido que a consciência. No momento em que pensamos em pensar em algo, é tarde demais... já pensamos nisso. Um milésimo de segundo pode ser o suficiente pra pensar em tudo.

Talvez nem seja. Ou talvez seja por isso.

Enfim, no momento em que penso - ou (penso que) acho que penso – em me dirigir à porta, já não estou mais lá, já não há mais porta. Mas, também, que diferença faz passar por uma porta quando não se sabe onde está, muito menos pra onde se está indo? Não vejo diferença alguma.

Aliás, não vejo nada há muito tempo.

Vejo então que devo pensar exatamente o oposto. De quê eu não sei, já que não vejo e muito menos penso – ou melhor, acho que não penso – nada; Se não vejo e não penso, então não importa o lugar, pois não estou. Se não estou... penso logo: existo?

Olho ao meu redor. Mesmo sem ver nada, ainda consigo olhar ao meu redor. Então vejo (ou, melhor, olho) pessoas, que passam. Por onde, não sei; nem sei onde estou... Aliás, nem sei se estou. O fato é que elas também não me vêem. Até me olham, mas certamente não vêem.

Aliás, não vêem nada há muito tempo.

Me dou conta então de uma coisa: como posso saber o que vejo, ou não vejo, e se as pessoas vêem, ou se não vêem, há muito tempo, se não sei efetivamente há quanto tempo, é, muito? Talvez seja por isso que não vejo, ou não sou visto.

Ou talvez nem seja. Talvez, seja por isso.

Acordo. Nem sei onde estou... muito menos o que está acontecendo. Penso logo: existo?

Me dou conta que isso não faz diferença.

Sabedoria do acaso

Peço licença aos amigos leitores (acho que umas quatro ou três pessoas... ou duas... quem sabe uma só... alguém??? pliiís!!!?? bom, enfim...) pra publicar um post diferente. Criei esse espaço para dar vazão às filosofias existenciais que fluem de mim até meus dedos, e deles para o barulhento teclado do meu pc, tomando formas digitais que podem alcançar o mundo inteiro (ou, com sorte, três ou quatro pessoas... ). De onde fluem, até chegar aos meus dedos, nem faço idéia; o fato é que chegam até eles, e deles acabam parando aqui (e se daqui vão para algum outro lugar, também não faço idéia... alguém?? pliiís!!!?? bom, enfim...) Também aproveito para ocasionalmente publicar alguma produção textual acadêmica que me diverti escrevendo, e que talvez possam divertir outras pessoas ao lerem (com sorte, três ou quatro pessoas...).

Mas hoje, pela primeira vez, usarei esse espaço para um diálogo mais direto (ou nem tanto, já que não consigo parar de escrever esses malditos comentários entre parênteses... aaaahh!!! deve ser por isso... ninguém então... quem sabe? talvez ainda tenha sobrado alguém...), e contar uma história real-não-filosófico-existencial-nem-acadêmico-ficcional (e – pasmem – sem mais parênteses!!! voltem, três ou quatro pessoas!!! pliiiís!!!??).

Bom, enfim...

Lendo agora há pouco o blog da escritora, roteirista e recente amiga Cláudia Tajes, no site do Sarau Elétrico, me deparei com a pergunta, feita por ela aos leitores e comentaristas do seu blog:

"Por que tu é gremista (ou colorado)?".

Achei interessante essa pergunta... E também engraçada, porque há uns dois ou três anos ouvi a mesma pergunta, e simplesmente congelei.

Desde que me entendo por gente sou gremista. E desde que me entendo por gente prefiro o azul ao vermelho, também... coisa normal pra quem é gaúcho e acostumado às nossas dualidades ideologicas, que já são famosas e reconhecidas nacionalmente. Quanto às outras – históricas, políticas e etc –, deixemos de lado, é melhor assim... O fato é que desde que me entendo por gente sou gremista. Mas é fato também que, até dois ou três anos atrás, não fazia a mínima idéia de quando me tornei gremista, certamente porque na época ainda não me entendia por gente.

Uma coisa sempre me chamou a atenção, nessa coisa de ser gremista... tanto meu pai era colorado, quanto meus dois irmãos, um mais velho e o outro mais novo que eu, também torcem pelo Inter. O meu irmão mais velho, por causa do meu pai; o mais novo, provavelmente por influência dos dois. Mas, e eu? Minha mãe se diz gremista, mas sempre detestou futebol... não teria força pra me influenciar a esse ponto, considerando que certamente meu pai teria influenciado mais, uma vez que assistia a todos os jogos, e acompanhava campeonatos, etc. Minha irmã, a mais velha das duas, e quarta na ordem de nascimento, também é gremista, mas ela veio depois, e seguiu a opinião – discreta – da minha mãe, e a minha – não tão discreta, mas também não muito fanática, já que sendo um gremista contra 3 colorados em casa, se eu fosse fanático a ponto de me irritar com provocações não estaria aqui contando essa história. A caçula da família, como foi encarada com fator de desempate, já que éramos 3 contra 3, passou a infância inteira virando casaca, torcia pra quem estava ganhando mais, até que mais tarde, criou juízo e acabou virando gremista definitivamente. Mas, enfim, ela também veio depois, e também não me ajudava em nada a encontrar uma resposta.

Restavam duas hipóteses: ou eu era gremista simplesmente porque preferi a cor azul à cor vermelha, e então não tinha mesmo nenhuma afinidade com o futebol em si, mas sim com a cor principal do time – o que até seria uma explicação plausível, uma vez que eu com uma bola nos pés sempre fui um desastre, e só acompanho jogos de futebol pela televisão ou então pelo caderno de esportes do jornal – ou então, por influência da única pessoa que me parecia ter força suficiente para fazer de mim um gremista convicto e pra vida toda: meu avô materno. Mesmo sendo ele gremista fanático, ainda assim, o fato dele morar em Erechim e só nos encontrarmos nas férias, uma vez por ano, explicava o fato de eu não ter a mesma afinidade com o esporte, ou fanatismo pelo clube, que ele tem. Obviamente, e com muito orgulho, aceitei a segunda hipótese.

Passei então minha vida toda, desde que me conheço por gente e consegui resolver esse mistério existencial, acreditando e contando pra quem quisesse saber o porquê de eu ser gremista, e não colorado como meu pai e irmãos, que o era por causa de meu avô. E vivia feliz minha vida de tricolor, até dois ou três anos atrás. Até ouvir a fatídica pergunta, pela primeira vez:

- Tu sabe porquê teu irmão mais velho é colorado, e tu é gremista?

E congelei. Simplesmente congelei. Não por ter ouvido a pergunta, que muitas outras vezes havia respondido, sem nem piscar. Mas por causa da pessoa que fez a pergunta: meu avô.

O choque foi tão grande, que nem lembro mais se ele tinha vindo a Porto Alegre, numa das rotineiras visitas anuais à família que mora na capital, ou se eu é que tinha ido pra lá, em uma das nossas rotineiras – mas infelizmente hoje não tão frequentes – viagens de férias. Também não lembro o que motivou a pergunta, se estávamos conversando sobre algum jogo recente, ou se ele simplesmente aproveitou um momento de distração minha e pescou aquela incerteza da infância, perdida e esquecida no fundo da minha alma. O fato é que, na surpresa daquele momento, a pergunta soou tão completamente desconexa de qualquer conversa, que senti que o único propósito foi proporcionar a maior revelação sobre a minha existência na Terra, ou então simplesmente varrê-la para os confins do Universo.

Simplesmente congelei. E não pela pergunta em si. Mais ainda: não totalmente por ter sido meu avô quem perguntou. Congelei pela quase risada que vi, claramente, no fundo de seus olhos ao me perguntar. Certo de que não podia me atrever a responder errado, assumi que não. Mesmo com medo do que ouviria a seguir, continuei firme, aguardando sua próximas palavras. Tá bom, tá bom... eu simplesmente congelei mesmo...

- Tu sabe porquê teu irmão mais velho é colorado, e tu é gremista?

- Hã... não. – nem faço idéia do que respondi, se é que consegui falar... mas vamos assumir que eu tenha respondido que não.

- Vocês eram pequenos, na época era só vocês dois, os mais novos ainda não tinham nascido. Teu irmão mais velho tinha 4 anos, e tu tinha 3. Estavam em Erechim, de férias, como de costume. E eu saí pra passear com vocês dois, fomos ao centro da cidade. Queria dar presentes de aniversário pra vocês, então resolvi comprar camisetas. Como teu irmão era o mais velho, ia comprar uma camisa do Grêmio pra ele; pra não comprar duas camisetas iguais, e também porque o teu pai era colorado, resolvi te dar uma camiseta do Inter. Só que, chegando na loja, não tinha camiseta infantil do grêmio no tamanho do teu irmão, só tinha menor. Em compensação, tinha uma do Inter que servia perfeitamente nele. Então acabei fazendo o contrário: teu irmão ficou com a camiseta do colorado e tu com a do tricolor. E a partir daquele dia, teu irmão virou colorado, e tu virou gremista. – concluiu ele, já não segurando mais o riso.

E nem eu. Ri muito, na hora e ainda hoje. Não só pela inusitada verdade, mas também pela ironia de ter me tornado gremista através de um ato de consumo, e ter descoberto isso no decorrer do curso de Publicidade e Propaganda. Independente de como aconteceu, ainda posso dizer que sou gremista graças a meu avô, mas também por pura sabedoria do acaso. E com muito orgulho!

Sabedoria da Terra¹

A Planície em La Crau. Van Gogh, 1888.

Em meio aos campos e plantações da região da planície de La Crau, em uma choupana feita de palha e barro, vive Dona Justina, uma senhora tranquila, conhecida na região por ser uma grande benzedeira.

- Bom dia, Dona Justina! - diz o peão, na carroça puxada por bois.

- E há de ser, meu filho... um lindo dia de sol. - responde ela, sorrindo.

Dona Justina passa os dias a cuidar de suas ervas. E a atender aos trabalhadores e suas famílias, que a procuram para curar seus males, ou então para pedir conselhos sobre o tempo e o momento certo para o plantio e a colheita.

- Bom dia, Dona Justina! Será que o plantio do milho hoje dá? - pergunta o coronel, a cavalo.

- Melhor pra semana que vem, meu filho... - responde ela, sorrindo.

Um dia, um forasteiro que por ali passava há algumas semanas, curioso com a movimentação e as consultas diárias que vez ou outra testemunhava, aproximou-se do cercado.

- Bom dia, Dona Justina! Posso saber como a senhora conhece a respeito do tempo, das ervas, do plantio e tudo o mais que lhe perguntam?

- Muito simples, meu filho... - respondeu a velha senhora, sempre sorridente. - Enquanto vocês passam por essa terra todos os dias, eu fico aqui e ouço o que ela tem a dizer.

_________________________________________
¹ Texto escrito como atividade para a disciplina de Redação Publicitária IV, do curso de Com. Social - Publicidade e Propaganda da Fabico/UFRGS, ministrada pela profª Rosane Palacci dos Santos. Proposta do trabalho: a partir de uma imagem, criar um texto que desenvolva uma cena, com personagens e enredo fechado (início e fim).

Já era...

Quanto mais se quer
menos se tem
melhor nem querer...

Quanto mais se sobe
menos se equilibra
melhor nem subir...

Quanto mais se vive
menos tempo se tem
melhor nem viver...

Quanto mais se lê
menos se acredita
melhor nem ler...

... tarde demais.

Part-ida

Ele partiu. Não como quem sai à procura de um lugar melhor, de um destino certo, de um futuro, enfim. Simplesmente partiu. Por quê? Não sei se ele realmente sabia. Não quando partiu.

Partiu porque não havia mais lugar pra ele. Porque, se ficasse e lutasse, não descansaria nem por um segundo, durante o que seria sentido como uma eternidade. E certamente acabaria partindo-se assim mesmo. Preferiu partir de uma vez, a partir aos pedaços.

Partiu e vagou, no limbo e sem direção. Sem saber o quanto haveria de vagar, não o preocupava aonde chegar. Vagou e cansou. Cansou e parou. Parou e encontrou um lugar onde podia ficar. Mesmo sem saber por quê ficar. Ficou, descansou. E até esqueceu. Sim, por um tempo ele – ao menos acreditou que – esqueceu. Mas, de fato, havia partido. E, uma vez tendo partido, não havia como esquecer. Não totalmente.

Totalmente descansado, acordou. Acordou e percebeu que por mais que acreditasse estar longe, em alguns momentos, por segundos que fosse, ainda estava lá. Onde tudo começou. E então, percebeu o quanto havia realmente partido. Partido a ponto de nunca partir. Partido a ponto de não encontrar mais lugar, de nem ao menos saber se havia como não mais partir. Mas sentiu que havia de – poderia... será? – tentar.

Antes de pensar em partir, já havia partido; quando pensou em voltar, não sabia mais se havia voltado. Só sabia que já não havia mais partido, não havia mais escolha. Mas não sabia se ganhara ou fora derrotado. Ou se um dia ganharia. Ou mesmo se havia como – ou mesmo o quê – ganhar. Sentia apenas que havia voltado, mesmo sem saber de onde, nem por quanto tempo, e muito menos porquê.

Apenas sabia que, afinal, nunca havia partido.

Conversando com...

- Seja bem-vindo.

- Olá... nos encontramos novamente.

- Sim... é um modo de ver as coisas...

- É, tem razão... de outro modo, seguimos sempre o mesmo caminho. Portanto, não há reencontro.

- Exatamente. Pelo visto, você aprendeu muito desde nossa última conversa.

- Sim... é um modo de ver as coisas...

- Lógico, lógico... E então... por que voltaste?

- Não sei ao certo... na verdade, ando muito confuso – o que, convenhamos, não é novidade nenhuma...

- De fato. A vida é mesmo confusa, já que nós a fazemos assim.

- Então... num momento parece que tudo segue um caminho certo, tudo se encaixa, planos estão a ponto de serem feitos... e de repente, tudo vira do avesso, nada faz sentido, nada tem lógica; nada de planos, porque todos os que foram pensados já não têm mais razão de ser...

- Isso não é verdade... nem todos os teus planos ruíram, e você sabe disso. só aqueles que realmente não tinham razão de ser.

- É, isso agora está ficando claro... mas, mesmo assim, os planos que ainda fazem sentido não parecem possíveis.

- Hum... se fazem sentido, então são possíveis.

- Será? porque não consigo entender como eles acontecerão. Quer dizer, eu sei que passo dar pra que eles venham a acontecer, mas nem todo passo é possível, só com o meu caminhar.

- Entendo o teu ponto de vista. O problema é que nem tudo o que faz sentido pra você faz sentido para outras pessoas. Ao menos não na mesma medida. Lembra do que conversamos em nossos encontros anteriores, não?

- É, lembro, claro. Mas é um caminho difícil esse... muito difícil, e às vezes muito cansativo também.

- “E quem disse que seria fácil?” Você mesmo diz isso o tempo todo, não?

- Sim, digo sempre, mentalmente ou em voz alta, pra não esquecer que por mais que tudo pareça estar tranquilo, sempre haverão obstáculos, e preciso estar preparado para quando surgirem.

- “Na paz, prepara-te para a guerra¹”...

- Ok, ok!! Eu conheço minhas citações – e suas fontes – muito bem, e você sabe disso... Não estou reclamando, você sabe... só desabafando um pouco, já que não tenho com quem mais fazer isso.

- Eu sei... é complicado viver assim. Mas você não precisa, realmente. Mas precisa perder o medo de se abrir, de se expôr.

- Isso é complicado demais. Não o me abrir, ou me expôr, mas o que isso acarreta. Mesmo que alguém consiga sentir tanto quanto eu, não consegue acreditar naquilo que sente, e portanto também não consegue entender como eu me sinto.

- As pessoas costumam confundir aquilo que é sentido com aquilo que faz sentido... nem tudo que é sentido faz, realmente, sentido. Aliás, se fizer sentido, talvez não seja realmente sentido. Porque o sentido quem dá é a razão. Mas a razão, por si própria, não sente. E o sentimento, sendo algo exterior à razão, precisa ser por ela entendido, para poder ter algum sentido.

- É... consigo perceber isso com mais clareza hoje em dia, mas ainda assim, é difícil manter o foco no que se sente, e não analisar tudo, ou não tentar interferir... é realmente complicado.

- Se não pudesses dar conta disso, não estarias aqui, conversando comigo.

- E será que posso mesmo? Porque hoje em dia já não sei mais...

- Duvidar também faz parte do processo... querer sumir, mandar tudo pro alto, ou simplesmente parar de sentir... é importante se auto-questionar, se auto-avaliar constantemente, porque isso te impede de cometer o pior dos erros...

- ... acreditar que não há mais nada a aprender, a melhorar, a crescer, a corrigir.

- Perfeitamente. E te ajuda a saber quando a missão está completa, e é hora de partir.

- Partir... não me lembra disso, por favor... Já foram muitas partidas sem despedida, e retornos sem boas-vindas... e todas sem nem sair do lugar. E agora mais uma possibilidade de partida, e a jornada mal começou.

- Se é isso que te preocupa, acho que tens a resposta... como sempre.

- É... ter a resposta é minha sina... saber entendê-la – ou senti-la, dependendo do caso – é minha maldição. Ou bendição, sei lá...

- Nem uma coisa nem outra. As pessoas costumam atribuir a suas habilidades uma conotação boa ou ruim, e também creditar a fatores externos tudo aquilo que vêm delas, ou que vêm a elas. Isso porque preferem não aceitar o fato de que tudo aquilo que há pode ser equilibrado, e que os fatores que giram em torno de suas habilidades oscilam dependendo de como são afetados por elas.

- Neutralidade é algo visto como mito.

- É um conceito mítico, realmente. Equilíbrio e neutralidade não são a mesma coisa. Vamos deixar a neutralidade para outra conversa, porque o que nos interessa aqui é o equilíbrio. Equilibrar as coisas não significa ser bom pra afastar o que é ruim, ou vice-versa. Não é combater um lado através do outro.

- Sim, isso eu entendo. Aceitar que existe dualidade, e que o equilíbrio só é possível através da complementação de ambas as forças, é o caminho mais difícil.

- E se pra você é difícil, imagine para aqueles que estão começando a se dar conta disso.

- É, eu sei. O que eu posso fazer? O que eu posso dizer? Como posso ajudar, se não sei nem se consigo ajudar a mim mesmo...

- Sei que isso não é um pergunta pra mim. Você sabe as respostas, mesmo não a sabendo. A confiança é cega...

- ...O caminho também. Você sempre diz isso. Poder ver o caminho só depois de percorrido também é desgastante. Viver todos os tempos, todos os momentos, todas as vidas, tudo ao mesmo tempo, e não descuidar do aqui e agora, não desviar do rumo... mas nada desgasta mais do que me sentir sozinho.

- Mas sabes que não estás sozinho.

- Sim, eu sei. Mas ainda assim, me sinto sozinho. Mesmo quando não estou.

- Entendo. E essa pessoa, de quem não queres perguntar, também acredita que está sozinha, não?

- Não sei.

- Tudo tem sua razão de ser. Aquilo que pressentes também. Mesmo que, o que pressentes, não seja visto ou entendido. Mesmo que seja tudo um engano. Mesmo enganos têm sua razão de ser.

- Sei, te referes ao que passou. Sim, eu consigo ver a razão de tudo ter acontecido como aconteceu. Mas isso não diminui a minha apreensão com relação ao que pode acontecer – ou deixar de acontecer - no futuro.

- Ótimo. Apreensão é o que te deixa alerta, e que te permite não deixar passar as lições que precisas aprender, tanto com relação ao teu próprio caminho quanto ao caminho daqueles a quem proteges.

- Não acho tão ótimo me sentir assim... mas enfim... creio que, por hora, essa conversa fica por aqui.

- Sim, perfeitamente. Tudo a seu tempo...

- Obrigado por me ouvir.

- Quando quiser, sempre que precisar...


¹ TZU, Sun. A Arte da Guerra. Adapt. James Clavell. Trad. José Sanz. 24 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Efêmero

Fim de mais um longo dia. Deito na cama, já tarde da noite, e fecho os olhos.

Penso no dia que passou, em todas as correrias, stress, confusões, coisas a resolver...

E jogo tudo pra trás.

Penso no dia que vai começar, seus compromissos, agendas e desafios...

E jogo tudo adiante.

Penso no que restou. O vazio, o silêncio, o frio... de repente, no meio do nada, dos recantos mais longínquos escondidos no fundo de todas as confusões passadas e futuras, ela surge.

Aos poucos a imagem vai se formando, fixando, e se tornando quase palpável na escuridão diante de mim. Seu calor em segundos me envolve, começa a me aquecer. E meu coração acelera.

Acelera porque estou prestes a reconhecê-la; já sei na verdade quem é, mas estou enfim a ponto de vê-la, nitidamente diante de meus olhos, de finalmente reencontrá-la.

E jogo tudo fora.

Rapidamente a imagem desaparece, o frio toma conta, engasgo e começo a tossir, recuperando aos poucos o fôlego que me fora tomado pelo momento. De volta ao frio, ao silêncio e ao vazio que precedem mais um longo dia.

E jogo tudo de novo.

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Sinto muito... nada sinto

Pessoas que sentem demais correm o risco de sentirem de menos... Um turbilhão de emoções pode causar um efeito “olho de furacão”, onde absolutamente nada acontece, mesmo quando tudo gira e vira do avesso ao redor. A indiferença que isso causa faz com que se veja tudo o que acontece, e que outrora fazia algum sentido, parecer fútil e incoerente.

O engraçado é que o vácuo sentimental não é pleno, não há ausência de sentimentos... só uma incompreensão do que esses sentimentos significam; ainda que signifiquem algo para a pessoa, não têm (ou não parecem ter) valor para as pessoas à volta, e então perdem o sentido. E sentir sem sentido ainda é sentir?

O sentido que o coração tem, enquanto músculo que mantém o corpo em funcionamento, faz sentido, e pode ser sentido; quando ele não funciona direito, perde-se o sentido, e o corpo cai. Já o sentido daquele coração que bate fora do corpo, mas faz o corpo pulsar por algo ou alguém, não faz tanto sentido, e nem sempre pode ser sentido... e quando sentido, nem sempre pode ser entendido, e portanto, não se sabe se ele funciona direito ou não... Sem saber se ele está ou não funcionando, não se perde totalmente o sentido, e então o corpo não cai.

Mas alguma coisa cai, seja físico ou não, seja o próprio coração, que não se sabe nem por onde anda (o segundo, que não faz sentido; o outro continua dentro do peito), e quando anda parece que está em um lugar quando na verdade está em outro, ou está em vários lugares, de várias formas. Ou então nem está, se é que algum dia esteve.

O fato é que, independente de existir de fato, de estar em algum lugar ou não, de fazer ou ser sentido, mais cedo ou mais tarde, geralmente quando menos se espera, ele bate.

E então, o corpo cai.

ŧ

Ser complexo

Ser... á?

... que vale a pena dizer a verdade?
... que cabe a sinceridade?
... que é melhor dizer?
... que é melhor saber?

Pessoas juram que sim...
... depois fingem que não.

Pessoas cobram que sim...
... mas nem sempre são.

Pessoas acreditam que dói menos...
... e quando dói, não sabem se tinham razão.

ŧ


Ser... ei?

Às vezes me canso de ser.
A vida nos obriga sempre a ser alguma coisa, ou alguém...
mas quantas vezes nos perguntamos: eu sou realmente quem eu sou?

Penso ser amigo, e me descubro um conhecido, um colega, um alguém.
Penso ser companheiro, e me descubro uma lembrança, um passado.
Penso ser claro, e me descubro mal-entendido.
Penso ser vivo, e me descubro inexistente.

Penso, logo existo... mas consigo existir, como eu penso?

Não sei dizer que sinto o que eu não sinto.
Não sei fingir que não sinto o que sinto.
Não sei perguntar “como vai?” por educação.
Não sei dizer que estou bem só pra ser polido.

Não sei pensar... a não ser como eu existo.

ŧ


Ser... ão?

Sou o tipo de pessoa que está sempre procurando os amigos pra saber onde estão, quando estão, como estão, por que estão, e etc...

e também o tipo de pessoa por quem (quase, sejamos justos...) ninguém procura pra saber onde está, quando está, como está, por que está, e etc.

Às vezes me pergunto... e se eu simplesmente desaparecesse, sem mais nem menos, nunca mais procurasse notícias de ninguém, será que alguém perceberia em menos de... sei lá, três ou quatro semanas? dois ou três meses? alguns anos?

E, se (ou quando) percebessem, quanto tempo levariam pra procurar saber onde, quando, como porquê?

Procurariam, ou não?

Saberiam onde procurar, ou não?

Leriam esse texto, ou não?

Talvez...

(quase, sejamos justos...)

...ninguém.

ŧ

Ser invisível

O melhor de ser invisível, é poder ver além... ser in-visível.

ver além do que as pessoas são, no mundo aparentemente visível,

ver além do que as outras pessoas são capazes, na invisibilidade da aparência.

Ser in-visível não significa necessariamente não ser visto por outros; melhor definição seria ver muito mais do que os outros, ver o que outros certamente não conseguem ver.

Não porque não possuam essa capacidade, simplesmente porque não têm o menor interesse em desenvolvê-la.

Sun Tzu¹ diz, em seus ensinamentos sobre a guerra, que conhecendo a nós mesmos e a nosso inimigo, não devemos temer nenhuma batalha; digo então que se formos suficientemente in-visíveis, não existe então distância entre querer e poder, diferença entre sempre ou nunca...

existe o que de fato existe, e a partir daí tudo é possível.

Åndariho §amurai

¹ TZU, Sun. A Arte da Guerra. Adapt. James Clavell. Trad. José Sanz. 24 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Ser humano

Admiro

a sinceridade do olhar
a pureza da alma
o ímpeto por trás da timidez
a timidez que esconde a ousadia
a força bruta que mascara a fraqueza de espírito
a fragilidade aparente que revela a grande força interior
a insensatez da razão
a sabedoria do insensato
a singela lágrima que contém a emoção
o choro incontido que extravaza a frustração
o rubor da face
e todas as cores, tons, vozes, silêncios, toques, distâncias
e até mesmo ausências.

e me sinto

sincero
puro
tímido
ousado
forte
fraco
frágil
insensato
sábio
racional
irracional

e então

me contenho
desabafo
choro
sinto
cheiro
vejo
ouço
toco

ou

fico em silêncio...

ou então

...me ausento.