Existem momentos na vida em que uma palavra é demais. Quando nada no mundo pode nos ajudar a entender o porquê da vida parecer tão injusta e nos castigar tanto, quando a maior parte do tempo estamos apenas lutando pra levar nossas vidas o melhor possível, na mera ilusão de assim conquistar um pequeno espaço de conforto interior que possamos chamar de “felicidade”.
E nesses momentos em que tudo é demais, seja uma palavra, um gesto, um olhar; quando tudo parece conspirar ainda mais ao invés de nos trazer alguma orientação sobre o que essa confusão toda pode significar, só encontramos algum conforto no silêncio da solidão. E, por mais que tentemos nos agarrar a este silêncio e a esta solidão, parece que mesmo a solidão fica gritando nos nossos ouvidos, tentando dizer sei lá o quê – se é que tenta mesmo dizer algo, já que não estamos mesmo querendo ouvir nada...
Então, quando finalmente cessa a gritaria da solidão, estamos encerrados dentro de nós mesmos, encolhidos onde finalmente nada nem ninguém pode nos perturbar, onde não há palavras, gestos, olhares e expressões que possam nos atingir. E então, por uma fração de segundo, temos uma ínfima sensação de paz.
Mera ilusão, truque engendrado por nós mesmos, uma armadilha: logo nos damos conta que ainda sobrou alguém a nos olhar, a gesticular e a compartilhar nossa existência. E, antes que possamos esboçar qualquer movimento de fuga, ouvimos outra vez as palavras.
"Já cansou de fugir? Ou vai continuar ainda? Hum... não esperava mesmo que respondesse alguma coisa... Afinal de contas, não precisa mesmo, porque já está respondendo. Acredito que já tenha percebido que não há lugar pra onde você corra que possa afastá-lo de mim. Só não sei ainda se você entendeu que precisa ouvir o que eu digo".
"Quando você veio a este mundo, trouxe consigo tudo o que precisava para cumprir sua missão. Porém, para chegar até aqui, foi preciso desenvolver um corpo físico, processo relativamente demorado, do ponto de vista desta dimensão. E as pessoas à sua volta, não percebendo o quanto estava dizendo a elas com o seu silêncio, acreditaram que o seu tamanho e – aparente - fragilidade eram sinais de fraqueza, de necessidade de proteção. Tudo bem, o plano era esse mesmo... do contrário as pessoas seriam indiferentes à sua chegada, e a missão fracassaria mesmo antes de começar. O problema é que este envolvimento a que você submeteu as pessoas à sua volta não funciona em uma única via... e você também se envolveu com elas. O que também fazia parte do plano, afinal, se não houvesse essa troca você não poderia ensinar a elas, ou aprender com elas".
"E você aprendeu. Mas começou aprendendo que a aparente “fraqueza e fragilidade” eram reais, e esqueceu aquela força que tinha quando chegou. E acreditou que precisava de outros pra te proteger, e que não tinha força para proteger os outros. E pensou que precisava aprender a ter força, e perdeu a força de ensinar... Eu bem que tentei te avisar, gritei até não poder mais que a força estava aqui o tempo todo, junto comigo, você é que a procurava no lugar errado. Mas, infelizmente, o barulho de todos à tua volta era maior – na verdade não maior, mas mais importante, porque acreditavas muito mais nelas – do que a minha. Minha voz estava lá, sempre esteve... mas você não ouvia, ou melhor ainda, fingia não ouvir. E aqui estamos nós".
"Pois bem, agora que eu tenho toda a tua atenção, quero dizer que não há mais nada a dizer. Pelo menos não de minha parte, uma vez que tudo o que estou dizendo agora só está sendo ouvido porque agora você consegue ver o que eu há muito tempo tento te mostrar. A única coisa que me resta dizer é: ouça mais, e perca menos tempo. Dizem que o tempo é o senhor da razão... mas na verdade o tempo é uma mera ilusão. Ilusão de quem não sabe onde procurar as respostas, ou tem medo de encontrá-las, medo de não ter razão. Então o tempo passa a ser o guardião dela, da razão. Assim nunca se descobrirá de quem era a razão, já que o tempo nunca poderá ser alcançado..."
"Bem, agora que você já viu que não há tempo, e nem pessoa no mundo que possa esconder a razão o suficiente para que possa fugir da sua própria verdade, encare os fatos: não há nada no mundo que alguém faça ou diga que possa diminuir a tua força, aquela força verdadeira, a que você perdeu há tanto tempo e reluta em procurar no lugar certo. Não desista da tua missão, mesmo não sabendo que missão é essa. Você não sabe, porque eu sei... e isso também faz parte do plano, porque se você soubesse qual é a missão, não poderia cumpri-la corretamente. Mas eu estou aqui justamente pra garantir que você cumpra a sua parte, pois se você não cumprir a sua, eu não terei cumprido a minha".
"Quem sou eu? Olhe pra mim, sem medo, e saberás. Na verdade já sabes, mesmo não querendo olhar. E se não quiseres me chamar pelo mesmo nome pelo qual todos à tua volta conhecem, podes me chamar de Espelho".
Åndarilho §amurai